O Estado de Mato Grosso do Sul (MS), criado pela Lei Complementar de 11 de outubro de 1977 que o desmembra de Mato Grosso, desde a sua instalação, em 1º de janeiro de 1979, direciona atenções à gestão das águas por meio da atuação de seu órgão ambiental e de recursos hídricos.
O território sul-mato-grossense tem área total de 357.145,836 Km² e está dividido em setenta e oito municípios, com uma população estimada, em 2010, de aproximadamente 2,45 milhões de habitantes. Faz divisa político-administrativa com os Estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, São Paulo e Paraná e defronta-se com a República do Paraguai que, junto à Bolívia, define a linha fronteira ocidental brasileira. Sua localização geoestratégica predestina o estado a desempenhar funções fundamentais no cenário econômico brasileiro ao favorecer as relações com os maiores mercados brasileiros do Sul e Sudeste, especialmente, com países interessados no agronegócio.
O Estado de MS compreende a maior parcela territorial das bacias dos rios Paraná e Paraguai na Região Centro-Oeste. Na Bacia Hidrográfica do Paraguai está inserido o Pantanal Sul-Mato-Grossense em aproximadamente 25% da área total do Estado. Por sua importância ecológica foi declarado Patrimônio Nacional pela Constituição Federal de 1988, e Patrimônio Natural da Humanidade e Reserva da Biosfera pela UNESCO, em 2000, pois constitui um dos mais originais ecossistemas do Planeta ao apresentar grande diversidade biológica e um regime hidrológico delicado.
A reconhecida disponibilidade hídrica de Mato Grosso do Sul garante a condição favorável de crescimento econômico relacionado à expansão de atividades agropecuárias, da produção industrial, do desenvolvimento do setor turístico e possibilita o abastecimento público, a geração de energia e navegação. Suas águas são amplamente apresentadas nos cartões postais, principalmente de Bonito e Pantanal, com inúmeras cachoeiras, lagos e rios. Utilizada em diversas atividades nas cidades e no campo, também impulsiona a pesca e a aquicultura.
Além da extensa malha hídrica superficial, em grande parte do território estadual há condições hidrogeológicas favoráveis à formação de importantes estoques de águas subterrâneas. Há ocorrência dos Aquíferos Cenozóico, Bauru, Serra Geral, Aquidauana-Ponta Grossa, Furnas, Pré-cambriano Calcários, Pré-cambriano e do Aqüífero Guarani, considerado um dos maiores reservatórios de água subterrânea doce do mundo.
Apesar de ser um dos maiores produtores de gado e de soja do Brasil, o Estado de Mato Grosso do Sul enfrenta situações novas, como o crescimento do setor sucroalcooleiro e da indústria de celulose, que possuem relações profundas com a questão hídrica e evidenciam a necessidade do estabelecimento de uma nova ética de relacionamento com a natureza, a não ser pela ótica da produção e do consumo.
Isto porque, em termos globais, a escassez de água está se tornando um problema real em muitos países, agravada pelos extremos climáticos e aumento da variabilidade climática que leva a frequentes e mais graves inundações e secas que afetam culturas, a produção de energia hídrica e a economia como um todo. Agregado a isso, o crescimento populacional impõem desafios ao necessário acesso universal à água potável, ao saneamento básico e ao alcance em longo prazo da segurança na produção de alimentos com distribuição. Tais questões se remetem ao consumo sustentável da água e tem exigido atenção dos governos e da sociedade a esse recurso natural que a humanidade supunha infinito.
Em Mato Grosso do Sul os conflitos existentes pelo uso d’água são basicamente relacionados a conflitos socioambientais, típicos de uma região brasileira com a economia embasada na agropecuária, cujos problemas são originários do crescimento da população, uso inadequado do solo, desigualdades sociais, diferentes padrões de consumo, impactos oriundos da contaminação das águas, incremento crescente de atividades econômicas e da pouca governabilidade hídrica. Essa realidade justifica a necessidade de um planejamento para o desenvolvimento da região, articulado entre as instancias governamentais (federal, estadual e municipal), usuários de água e sociedade para evitar o agravamento das possibilidades de conflitos de uso e prejuízos a qualidade e a disponibilidade das águas.
Nesse contexto e ao entender a importância que os recursos hídricos representam para o desenvolvimento de Mato Grosso do Sul e do Brasil, por meio da Lei Estadual nº. 2.406, em 29 de janeiro de 2002, o Estado de MS sanciona sua Política Estadual de Recursos Hídricos e cria o Sistema Estadual para o gerenciamento de recursos hídricos, tendo em vista os princípios e fundamentos apontados pela Política Nacional de Recursos Hídricos (Lei Federal nº 9.433/97).
Mesmo diante a atenção dada aos diferentes usos da água que embasam o desenvolvimento estadual, há algumas peculiaridades da legislação de Mato Grosso do Sul que remetem à isenção da cobrança pelo uso da água pelo setor agropecuário e agroindustrial e à sobreposição de competências entre o órgão gestor e o executor da Política de Recursos Hídricos no Estado. Tais questões estão em processo de ajustamento legal e de melhorias à eficiência institucional, pois os dispositivos que isentam o setor rural da cobrança pelo uso dos recursos hídricos estão em desacordo com a legislação federal (Lei Federal nº 9.433/97, Art. 5°, inciso IV) que atribui aos Comitês de Bacia Hidrográfica a função de definir mecanismos e valores da cobrança e isenções da obrigatoriedade de outorga (Lei Federal nº 9.433/97, Art. 38, incisoV e VI) e, consequentemente, os usos sujeitos ao pagamento pelos recursos hídricos (Lei Federal nº 9.433/97, Art. 20).
Dentre os instrumentos apresentados para a gestão hídrica estadual, o Plano Estadual de Recursos Hídricos (PERH-MS), aprovado em 2009, aponta as diretrizes estratégicas que fundamentam e norteiam a prática da Política Estadual de Recursos Hídricos e a implementação do Sistema Estadual de Recursos Hídricos, propondo programas e subprogramas a serem desenvolvidos no horizonte de 2009-2025.
A base físico-territorial adotada no Plano Estadual de Recursos Hídricos de MS consiste nas Regiões Hidrográficas do Paraná e do Paraguai e, nestas, as correspondentes Unidades de Planejamento e Gerenciamento (UPGs) de Recursos Hídricos, onde o Estado é dividido em 15 UPGs que correspondem a cada uma das sub-bacias hidrográficas de Mato Grosso do Sul, conforme a Figura 1.
Figura 1. Representação das Unidades de Planejamento e Gerenciamento de MS (UPGs) e das Bacias Hidrográficas do Rio Paraná e Paraguai inseridas no território de Mato Grosso do Sul.
Desde 1997 há a proposta de enquadramento dos corpos d’água da Bacia Hidrográfica do Alto Paraguai (rios Apa, Correntes, Miranda, Taquari, Negro e Nabileque) e do córrego Imbiruçu, pertencente à Bacia Hidrográfica do rio Paraná, definida na Deliberação do Conselho Estadual de Controle Ambiental nº 03/97, embasada nos parâmetros estabelecidos pela Resolução CONAMA n° 20/86, revogada posteriormente pela Resolução CONAMA n° 357, de 17 de março de 2005.
A aplicação do instrumento de outorga de direito de uso de recursos hídricos estaduais tem seu início previsto ainda para este ano de 2013. Por enquanto, o uso da água é conferido por meio do licenciamento ambiental de atividades poluidoras e/ou potencialmente poluidoras, tais como da irrigação, construção de barragens e açudes, aquicultura, instalação de roda d’água, entre outras.
O Sistema Estadual de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SIEGRH) é composto por várias organizações em um conjunto de instâncias de deliberação. O Conselho Estadual de Recursos Hídricos é o colegiado consultivo e deliberativo superior, a Secretaria de Meio Ambiente, das Cidades, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC) é o órgão de administração pública responsável pela gestão de recursos hídricos, o Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul (IMASUL) é o órgão executor da política, os Comitês das Bacias Hidrográficas são colegiados deliberativos a serem estabelecidos em cada bacia e as Agências de Água devem atuar como secretaria executiva das decisões dos colegiados regionais.
O Conselho Estadual de Recursos Hídricos (CERH) de Mato Grosso Sul assegura a participação paritária dos diversos segmentos da sociedade no Estado, sendo composto em 33% de membros do Poder Público, 33% das organizações civis dos recursos hídricos e 34% dos usuários dos recursos hídricos.
No âmbito dos usuários, estão garantidas as representações da agricultura familiar, da prestação de serviço público de abastecimento de água e de esgotamento sanitário, de geração hidrelétrica, do setor hidroviário, da indústria, da pesca e aquicultura, da agropecuária, do comércio, do turismo, do esporte e lazer.
Os consórcios intermunicipais têm importante papel no fomento à criação de comitês de bacias hidrográficas estaduais. Desenvolvem atividades e ações municipais integradas que propiciam a gestão hídrica no Mato Grosso do Sul, o COINTA – Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia Hidrográfica do Taquari, o CIDEMA -Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Integrado das bacias dos Rios Miranda e Apa e o CIABRI – Consórcio Intermunicipal para o Desenvolvimento Integrado do Rio Apa e da Bacia Hidrográfica do Rio Iguatemi (CIABRI).
No contexto de atuação dos colegiados de bacia estadual, governo, usuários de água e organismos da sociedade civil promovem o debate e articulam a atuação das entidades que trabalham com recursos hídricos, arbitram em primeira instância os conflitos pelo uso da água, e atuam de forma democrática e descentralizada na definição dos caminhos hídricos de MS em dois Comitês de Bacias Estaduais e um Comitê de Bacia Federal, consecutivamente, o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Miranda, o Comitê da Bacia do Rio Ivinhema e o Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paranaíba, sendo este, composto por representantes dos estados de Mato Grosso do Sul, Goiás, Minas Gerais e Distrito Federal.
No Estado não há nenhuma Agência de Água, ou entidade delegatária, para executar as funções de braço técnico dos Comitês, cuja dotação dos recursos financeiros e de suporte técnico para a elaboração de planos de bacias demandados pelo Comitê do Rio Miranda e do Rio Ivinhema está restrita as competências da administração direta do Estado de MS, no caso, pelo IMASUL.
Vale ressaltar que parte do território de Mato Grosso do Sul compõe bacias hidrográficas que comungam águas com países vizinhos ao Brasil e, ainda que a política de recursos hídricos tenha como pressuposto os interesses conflitantes advindos dos múltiplos usos da água, estudos científicos, novas tecnologias e saberes empíricos demonstram a possibilidade da construção de consensos, sem ingenuidade, mas solidário e promotor do desenvolvimento com sustentabilidade na indução de processos de harmonização entre os governos do Brasil, Paraguai e Bolívia para a definição de estratégias de ação compartilhada para gestão integrada dos recursos hídricos das Bacias do Alto Paraguai e da Bacia do Apa.
Prova disso, o processo de negociação e da implementação do “Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável e a Gestão Integrada da Bacia Hidrográfica do Rio do Apa” promulgado pelo Decreto Federal nº 7.170, de 6 de maio de 2010, uma evolução para a gestão de bacias transfronteiriças.
Consoante ao âmbito de atuação do Tratado da Bacia do Prata e aos consensos mundiais, agrega conceitos inovadores advindos do cuidado ambiental na gestão de recursos hídricos ao incluir em sua redação expressões norteadoras como “desenvolvimento sustentável” , “gestão integrada”, “bacia hidrográfica”. Até o momento, é o único acordo bilateral assinado pelo Brasil oriundo da identificação de demandas da sociedade civil organizada que, após ações, estudos e esforços empenhados por organizações não-governamentais, apoiadas pelas instâncias governamentais paraguaias e brasileiras, selaram o compromisso pela indução à melhoria da qualidade de vida da população por meio de procedimentos indutores à gestão integrada de recursos hídricos em uma bacia de águas transfronteiriças.
De maneira geral, muitas ações são necessárias à gestão de recursos hídricos em Mato Grosso do Sul a serem conduzidas por gestores públicos e organizações não governamentais que promovam a mobilização dos usuários de usuários de água e demais atores envolvidos, para a implantação de políticas públicas relacionadas aos recursos hídricos, projetos, pesquisas, capacitação profissional, educação ambiental e elaboração de diagnósticos que embasem os planos de bacia.
A medida que a população tem sido incentivada, por meio de divulgação, informação e mobilização, a participar dos processos de tomada de decisão o sistema de governança hídrica estadual tem se fortalecido e tenderá à governabilidade, quanto mais previsível, transparente e legítimo forem os marcos institucionais promotores da gestão hídrica no Mato Grosso do Sul.
A grande riqueza do Estado de MS, sem dúvida, é a água, onde o desafio está em implementar um modelo de gestão hídrica descentralizada, compartilhada e que incentive a construção de um processo de autossustentação que atenda as demandas locais, regionais e nacionais aos objetivos da sustentabilidade mundial. É uma tarefa difícil, afinal são ações e tomadas de decisões que passam muito perto dos cidadãos, como as nascentes e as diferentes necessidades de usos da água, num exercício diário de cidadania à eficácia gerencial dos recursos hídricos no Mato Groso do Sul.
Synara A. Olendzki Broch
synara_broch@hotmail.com
Engenheira Civil (UNISINOS), Especialista em Engenharia Ambiental (UFMS), Mestre e Doutora em Desenvolvimento Sustentável (UnB); Professora Adjunta do Centro de Ciências Exatas e Tecnologias da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Representante da ABRH –Regional MS (Associação Brasileira de Recurso Hídricos/MS) e membro da CTEM e CTGRHT do Conselho Nacional de Recursos Hídricos.