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Channel: Águas do Brasil | A revista digital da água! » Edição 06
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A Gestão das Águas Transfronteiriças e a Hidropolítica

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A água é um tema empolgante e que têm avançado ao longo do tempo, tanto no âmbito interno dos países como em relação às águas compartilhadas entre países. A discussão pública é que a água será no futuro um bem em escassez e tema central de conflitos armados. Este cenário é alarmante, principalmente para algumas regiões do planeta onde a água já é escassa ou de qualidade comprometida. Como o Brasil é detentor de uma parcela considerável da água doce do planeta (12%), incide sobre a cabeça de alguns segmentos, de que estaremos na mira destes conflitos. Este cenário não deixa de ser uma expectativa, contudo há esperança de que não será necessário chegar a este nível para que os governo e sociedade consigam superar este dilema. As águas não possuem fronteiras, passando por comunidades, e assim deveriam ser geridas e não somente como acidentes geográficos por delimitar ou cotar fronteiras. A água deve ser sinônimo de paz e harmonia e não motivo para conflitos.

Certamente, a água como recurso é um bem natural perpassa os interesses de vários grupos econômicos e, estes sim podem provocar concorrências e apropriações indevidas e motivar entre si. A água é a mesma em quantidade, mas, perde qualidade e fica indisponível. Além de que, pelas perspectivas provocadas pelas mudanças climáticas, a água poderá ficar escassa em algumas regiões devido às secas e provocar acentuadas inundações. Aproximadamente 85 % da população vivem em áreas com alguma escassez de água. A ausência do acesso à água limpa atinge 783 milhões de pessoas e quase 2,5 bilhão não tem acesso às condições adequadas de saneamento. A estimativa da Organização Mundial das Nações Unidas – ONU é de que a demanda por alimentos crescerá e desta forma haverá o aumento pela utilização da água em maior quantidade para garantir a produção. O crescimento populacional será de 2 a 3 bilhões de pessoas nos próximos 40 anos e demandará um aumento da produção de alimentos em 50% em 2030, e de 70% em 2050. Nestes níveis de consumo e na perspectiva de que todos tenham qualidade de vida, atualmente seriam necessários 3,5 planetas terra, caso tivéssemos os padrões dos países da América do Norte e Europa. Contudo, existe uma permanente esperança no tema de cooperação entre nações para a gestão das águas compartilhadas, a qual vem sendo construída ao longo de séculos, sobretudo de forma mais consistente a partir de meados do século passado.

As águas compartilhadas, denominadas mais usualmente como águas transfronteiriças, são de interesse estratégico, uma vez que as populações e a produção necessitam de água para manter a própria vida, produzir alimentos e bens de consumo.

A importância vital das águas transfronteiriças, de forma mais clara, as águas superficiais transfronteiriças compreendem 263 bacias hidrográficas no planeta e que envolvem o território de 145 países. As bacias com águas transfronteiriças abrangem 47 % da superfície terrestre e representam 60% da água doce que fluem no território do planeta e envolve algo em torno de 45% da população mundial. Os aquíferos transfronteiriços ainda são pouco estudados, contudo atualmente foram identificados 275 aquíferos. Somente na América do Sul são 29 aquíferos transfronteiriços de um total de 79 nas Américas. O Brasil compartilha 11 aquíferos transfronteiriços. Destes os conhecidos no âmbito brasileiro é o Guarani e mais recentemente o aquífero Amazonas. O tema aquíferos será abordado em outro artigo. Neste artigo trataremos do tema águas transfronteiriças superficiais. Do conjunto de 263 bacias hidrográficas transfronteiriças, 78 estão localizadas nas Américas, destas 38 na América do Sul, dentre as quais a da Amazônia, a do Prata e do Orinoco. A Europa é que tem o maior numero de bacias hidrográficas com águas transfronteiriças, 69, seguido da África com 59, Ásia 57, América do Norte 40 e do sul com 38 bacias.
Em relação aos conflitos sobre águas transfronteiriças, é verificado que ao longo dos anos os acordos foram realizados na sua grande maioria para solucionar problemas de navegação nos rios que cortam território de países distintos. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura – FAO existem registrados 3.600 acordos sobre águas internacionais entre os anos de 804 DC até 1984, sendo em grande parte pelo aspecto da navegação. Sabe-se que a 2.500 A.C. já ocorriam problemas de conflitos e negociações em regiões de escassez de água no caso do Rio Tigre. Este fato histórico registra o primeiro conflito armado pela água, na Suméria onde Lagash que era uma das cidades mais antigas da Mesopotâmia localizada ao sul da Babilônia, entre o Rio Eufrates e Tigre. O conflito se deu com a cidade iraquiana Shatra. Esta região é crítica até os dias atuais pela gestão das águas z tema abordado no V Fórum Mundial da Água, em 2009, na cidade de Istambul, que tive a oportunidade de presenciar.

A cooperação pela água é gerada em boa parte em função de conflitos por disputa ou por interesses econômicos das nações, que podemos ser conceituado como hidropolítica ou ainda a política estratégica entre nações soberanas para o uso compartilhado do bem água. No Brasil o tema das águas transfronteiriças ainda é tratado de forma distante, como coisa de visionário, devido ao fato de não apresentar conflitos com países vizinhos. Porém, não é bem assim, pois basta lembrar na década de 70 a polêmica com a Argentina pela construção da Itaipu Binacional em cooperação com o Paraguai. É certo que falamos de uma época de regimes ditatoriais, em que discutir não era o que interessava e muito menos a participação da sociedade.

As águas transfronteiriças devem ser tratadas como tema central e um bem público pelo Estado, com benefícios compartilhados e como solução e não como problema, de tal forma a garantir uma gestão frutífera. É necessário, portanto, que as políticas de recursos hídricos nos países envolvidos sejam consistentes, isso tornará o cenário promissor para os próximos anos.

Como bem público, a água compreendida como recursos hídricos é também um meio de produção vetor de desenvolvimento, contudo deve ter o efetivo controle e regulação realizada pelo estado. Este é o caso do instrumento que denominamos outorga de direito de uso, que é um direito precário concedido no caso brasileiro de no máximo 35 anos. O conceito de garantir os usos múltiplos da água quando da adoção da outorga, é uma ferramenta eficiente para garantir o uso para os diversos fins, principalmente humano e de promover a sustentabilidade ambiental.

Estes aspectos são relevantes em relação à gestão de águas transfronteiriças, pois se é um bem público e se existe controle, regulação e fiscalização das águas na política de recursos hídricos dos países, certamente a cooperação com outros países, a sua gestão poderá ser mais promissor. Pouco adiantará pensar em gestão além de suas fronteiras se os países não estiverem preparados para gerir as águas em seus territórios.

Uma indagação para quem trabalha com a gestão de águas transfronteiriças é saber se a cooperação é resultado de uma ação reativa ou proativa. Na maioria das vezes é reativa, especialmente onde existe conflito pelo uso em quantidade, ou interesse de soberania. Pode ser reativa também quando envolve cooperação e aproveitamento com obras hidráulicas, envolvendo quase que unicamente e o curso do rio e não a bacia hidrográfica. A gestão de água transfronteiriças também pode ser plena e proativa, na busca de compartilhar os benefícios no contexto de toda a bacia hidrográfica buscando atender aos usos múltiplos.
Estas contradições podem ser solucionadas com a aplicação dos quatro princípios adotados a partir da Conferência Internacional sobre Água e Ambiente, em Dublin, Irlanda, em 1992:

I )   A água doce é um recurso finito e vulnerável, essencial para sustentar a vida, o desenvolvimento e o meio ambiente
II)   Baseada na participação dos usuários, dos gestores e dos responsáveis pelas decisões em todos os níveis
III) A mulher desempenha um papel fundamental no abastecimento, na gestão e na proteção das águas
IV) Água tem um valor econômico em todos os seus usos competitivos e deve ser reconhecida como um bem econômico

Estes princípios contribuem significativamente para a gestão integrada dos recursos hídricos, e quando aplicado na visão da gestão das águas transfronteiriças, certamente promoverá o compartilhamento dos benefícios.

A partir de 1966 foram adotadas as Regras de Helsinque produzidas pela Associação de Direito Internacional, pela qual a bacia hidrográfica transfronteiriça (bacia hidrográfica internacional) passou a serem observadas por vários países. Este conceito compreende as águas superficiais e subterrâneas. Posteriormente, com a Convenção sobre a Proteção e Utilização de Cursos de Águas Transfronteiriças e Lagos Internacionais firmado em Helsinque em 1992, na qual foi incorporado o importante conceito de águas transfronteiriças que designou o termo para toda água superficial e subterrânea que definem fronteiras em dois ou mais estados, que as atravessam ou que estão situadas nessa mesma fronteira.
Os princípios da gestão de águas transfronteiriças teve um grande marco a partir da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Uso não navegáveis dos Cursos de Águas Internacionais de 1997, que embora não tenha sido adotada por ausência em numero suficiente de ratificação, provocou mesmo assim os países utilizarem os conceitos da Convenção na gestão de águas transfronteiriças.

Mesmo que tenha acontecido em uma época relativamente remota as Convenções citadas acima, é importante mencionar que a Conferência de Estocolmo de 1972 na recomendação 51 do Plano de Ação para o Meio Ambiente apareceu o tema de águas compartilhadas para orientar os países a criarem comissões de bacias hidrográficas com águas comuns. Também na Conferência da ONU de Mar del Plata na Argentina em 1977, dedicada ao tema água, foram estabelecidas diretrizes na recomendação 85, especificas para águas compartilhadas.

Com respeito ainda sobre a evolução da busca pela gestão das águas transfronteiriças é registrado que partir de 1948 foi estabelecido algo em torno de 295 acordos negociados e assinados envolvendo as águas.

O Brasil é um caso interessante na gestão destas águas, participamos de dois grandes sistemas hidrográficos, o da Bacia do Prata e o da Bacia Amazônica nos quais existem acordos de cooperação. No caso da bacia do Prata o Tratado firmado em 1967 entre a Argentina, Bolívia, Brasil, Paraguai e Uruguai, possibilitou a criação de uma organismo coordenador, o Comitê Intergovernamental de Coordenação dos Países da Bacia do Prata – CIC com sede em Buenos Aires. Na Amazônica compartilhamos as águas com o Suriname, Venezuela, Colômbia, Peru, Equador, Bolívia e Guiana que contam com o Tratado da Cooperação Amazônica firmado em 1978. Em 1995 este tratado deu origem a OTCA – Organização do Tratado da Cooperação Amazônica com sede da Secretaria Permanente em Brasília a partir de 1998. O Tratado da bacia do Prata envolve em seus objetivos o tema dos recursos hídricos, sobretudo porque naquele período muito se discutia sobre aproveitamento dos recursos hídricos para fins energéticos e de transporte. No acordo da OTCA o tema é mais genérico e teve origem em razões estratégicas dos países que procuravam demonstrar ao mundo que a administração da região cabia aos países que compreendem a Amazônia, e que compreende em seus objetivos a temática ambiental da região. O aspecto de avançar sobre a cooperação pela gestão das águas transfronteiriças, um bom exemplo é o desenvolvimento do caso da Amazônia que em recente projeto GEF (Global Environmental Facility) de 2002 para a região intitulado Gerenciamento Integrado e Sustentável dos recursos Hídricos Transfronteiriços da bacia do Rio Amazonas considerando a Variabilidade e as Mudanças Climáticas.

O Brasil participa com importante porções de seu território em ambas as bacias do Prata e da Amazônia, compartilhando em uma com quatro e na outra com sete países, respectivamente. A soma das áreas do território brasileiro inserido em ambos os sistemas hidrográficos com águas transfronteiriças, fica algo em torno de 62% da área total do Brasil. Ao mesmo tempo na bacia Amazônica recebemos dos países andinos que integram a bacia hidrográfica, 37% do total da vazão de águas produzidas na região, o que nos faz receptores de águas, enquanto que na do Prata somos doadores de água para países que compõem a bacia do Prata, exceto para a Bolívia.

É neste contexto dos interesses dos países e do estado reativo ou proativo que entra o conceito da hidropolitica para definir mais claramente o tema das águas transfronteiriças. O nome mais correto para definirmos a gestão das águas transfronteiriças é a utilização do termo, hidropolitica , pois ao praticar a gestão destas águas está sendo exercido um ato político de negociação hídrica baixo alguns interesses. Na África este conceito é utilizado de forma recorrente e existe um centro de estudos sobre o tema. Ao participar de um evento e alguns cursos sobre o tema na África do Sul com o Professor Antony Turton, expert sobre esta abordagem, percebi que para eles a hidropolitica é feita de varias hidroteses que muda de bacia para bacia e de país a país frente as suas necessidades de negociação sobre as águas com os demais.

Os países envolvidos em águas transfronteiriças podem adotar diferentes estratégias de alcance e do foco sobre a cooperação em distintas bacias hidrográficas. Um exemplo é o Paraguai, que participa do Tratado da Bacia do Prata que leva em conta toda a bacia hidrográfica do Prata e, em outro Acordo para a bacia do Rio Pilcomayo com a Argentina e a Bolívia, com detalhe que o Rio Pilcomayo é uma sub-bacia da Bacia do Prata. Este processo do Pilcomayo foi iniciado em 1939 devido a problemas de contaminação da água e pela delimitação da fronteira física. O processo de cooperação foi formalizado em 1994 na Declaração de Formosa com a constituição da Comissão Trinacional para o Desenvolvimento da Bacia do Rio Pilcomayo em 1995.
São vários exemplos que podemos utilizar para a análise da gestão das bacias hidrográficas com águas transfronteiriças utilizando os enfoques da hidropolitica e suas hidroteses. No caso do Pilcomayo até a fronteira física entre os países foi incluída no acordo em função da alteração do do curso do rio em determinados períodos.

Quando se fala em cooperação com a visão da hidropolitica, existem países que possuem quase todo o seu território em regiões de águas transfronteiriças. Trinta e três países do total de 145 envolvidos nas bacias, possuem pelo menos 95% de seus territórios incluídos em uma ou mais bacias transfronteiriças, como a Bolívia, Niger, República do Congo. De outra parte se tratando de número de países envolvidos em bacias hidrográficas, a do Rio Danúbio na Europa compreende 17 países. Os países da bacia do Rio Danúbio iniciaram a cooperação em 1856 pela navegabilidade do rio e, em 1994 foi adotada a Convenção pela Proteção do Rio Danúbio.

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¹Mapa da América do Sul com a área do território brasileiro envolvido com águas transfronteiriças.

Considera-se também que é emblemático o tema do conflito sobre as águas do Rio Bravo entre o México e os EUA que datam de 1845 quando ocorreram negociações da definição de fronteira entre os países, que foi oficializada em 1896 pelo Tratado Guadalupe-Hidalgo.
Em 1906 após intensas controvérsias, os EUA aceitaram firmar a Convenção de 1906 na tentativa de solucionar o conflito pela água com o compromisso de entregar ao México uma quantidade de água do Rio Bravo (74 milhões m3/mês). Outro tema regional foi o Convênio do Rio Colorado de 1922 para gestão da bacia hidrográfica, resultando na assinatura em 1944 do Tratado sobre Distribuição de Internacionais para os Rios Colorado, Tijuana e Bravo.
As bacias do Congo, Niger, Nilo, Reno e Zambezi com mais de nove países. Outro conjunto de pelo menos cinco países envolvidos pelas águas transfronteiriças é o Rio Jordão, Bacia do Prata, Mekong, Lake –Chade, Vístula, Volga Ganges-Brahmaputa e Amazonas.
Vale a pena citar alguns acordos de cooperação de águas transfronteiriças como o caso do Rio Mekong, iniciado em 1957 envolvendo a Tailândia, o Camboja, Vietnam e Laos, que é um rio essencial à vida de 70 milhões de pessoas e iniciou por acordos militares. Posteriormente a cooperação foi substituída em 1995 pelo Acordo sobre a Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável da Bacia do Rio Mekong com a criação da Comissão do Rio Mekong – MRC

É interessante destacar a iniciativa regional no continente africano, o SADAC – Comunidade para o Desenvolvimento da África Austral criada em 1992 que compreende 14 países membros, inspirada na União Europeia que inclui relevantes aspectos da gestão das águas . A Comunidade Europeia por meio de acordos regionais como a de 1991 na Convenção sobre Avaliação de Impacto Ambiental no Contexto Transfronteiriço e em 1992 na Convenção sobre Proteção e Uso de Cursos de Águas Transfronteiriças e Lagos Internacionais criou princípios para a gestão de águas transfronteiriças. Estes princípios inspiraram também a SADAC, em adotar em 2000 o Protocolo sobre Cursos de Aguas Compartilhadas. No continente africano os países transpiram águas transfronteiriças, pois todos dependem de outra nação quando se trata de água. O Lesoto rodeado pela África do Sul por todos os lados possui o acordo de 1986 sobre águas transfronteiriças em que a África do Sul financiou uma hidroelétrica e em troca o direito de usar água para o abastecimento província de Guateng.

Cito também a Suazilândia, Moçambique e África do Sul com o Tratado do Rio Incomati de 1992 para uso do Rio com fins hidroeletricidade, com iniciativas para a boa vizinhança e comunitárias que possui também aspectos bem relevantes. Já o caso o Rio Okavango conta com a Comissão Permanente das Águas da Bacia Hidrográfica do Rio Okavango cirada em 1994 e que evoluiu através de anospor meio da cooperação e na construção de consenso entre os três países (Angola, Botsuana e Namíbia). Neste particular a bacia do Okavango possui ecossistemas com áreas úmidas semelhantes ao nosso Pantanal, ademais do rio possuir o delta interior dispersando-se no deserto de Kalahari.

O tema água é também motivo de acordos de paz, como é o complexo exemplo no Oriente Médio onde em 1994/1995 os acordos entre Israel e Jordânia e a Autoridade Palestina adotaram a água na estrutura de paz da região. Como parte do Tratado de Paz de 1994 a Jordânia armazena água em um lago de Israel enquanto Israel aluga terras e poços aos jordanianos.
Como se vê, a hidropolitica pode ser observada pelo alcance e escala da gestão. Gerir uma bacia como a do Prata é um grande desafio e se trata de uma gestão pela hidropolitica. A Bacia do Prata se subdivide em grandes porções, entre elas a do Alto Paraguai onde se insere o Pantanal, a do Paraná compreendendo os territórios mais densamente habitados no Brasil que inclui porções de Brasília, e a do Uruguai. Cada região desta merece uma atenção especial, contudo não são tratadas oficialmente com mecanismos distintos e regionais de cooperação. A Bacia do Prata contou com o Programa Marco da Bacia do Prata que construiu a Visão da Bacia pelos respectivos países e no caso do Alto Paraguai o Projeto GEF –Alto Paraguai Pantanal com uma serie de iniciativas inovadoras, incluindo águas transfronteiriças com é o caso da bacia do Rio Apa.

Somente no caso brasileiro, segundo levantamento da ANA, possuímos 83 sub-bacias de escala regional ou local com águas transfronteiriças; na Bacia do Prata são 29 e na Amazônica, 54 sub-bacias. Estes dados demonstram a escala da compreensão e necessidades da gestão. A gestão na escala local ou regional é mais vibrante, mais viva, pois envolve verdadeiramente as pessoas e suas necessidades. Neste contexto, se insere o tema polêmico que é a governança das águas transfronteiriça. Em águas transfronteiriças é comum a governabilidade ser de alguma forma centralizada pelos governos nacionais com alguma participação de segmentos locais e regionais. O tema da governança das águas transfronteiriça pode ser mais visível para com os aspectos regionais e locais. É o caso da Bacia do Quaraí que possui Acordo de Cooperação para o aproveitamento dos Recursos Naturais e o Desenvolvimento da Bacia do Rio Quarai firmado em 1991 com o Uruguai. Neste caso, em 1998 foi regulamentada a Comitê e Coordenação Local – CCL. Outro exemplo mais recente é o da Bacia do Rio Apa mediante acordo com o Paraguai, o Acordo de Cooperação para o Desenvolvimento Sustentável e Gestão Compartilhada da Bacia do Rio Apa estabelecido em 2006 e em fase de implementação. Estas duas bacias possuem um arranjo institucional interessante que conta com os Comitês de Coordenação Local, instância consultiva das Comissões Mista, porém com a configuração que permite a participação pública de atores locais, poder público, usuários e sociedade civil. Este modelo permite uma aproximação com a comunidade local e melhorar a governança das águas entre os países envolvidos. Com o Paraguai também se destaca a gestão da Bacia do Paraná III, no Estado Paraná e a Bacia do Alto Paraná no Paraguai, onde está localizado o Lago de Itaipu. Nesta região a Itaipu Binacional desenvolve o Projeto Água Boa e Água Porã que conta com a efetiva participação dos poderes locais e comunidades.

Um projeto inovador em termos de águas transfronteiriças ocorre na bacia Amazônica por meio da Iniciativa MAP (Madre de Dios/Peru, Acre/Brasil e Pando/Bolívia) que apresentou a proposta de um acordo de cooperação com a participação dos três países para a gestão das águas compartilhadas, incluindo uma CCL.

Como é possível observar, a gestão das águas transfronteiriças é complexa, com muitos desafios e com grandes oportunidades para um mundo melhor. A tendência é que cada vez precisaremos de mais água com qualidade e em quantidade suficiente para o abastecimento, para produção e a sobrevivência da humanidade. Isso permite afirmar que esta demanda compreende boa parte das águas transfronteiriças e que os países envolvidos devam adotar diretrizes e práticas consistentes de gestão compartilhada. Tratar a água não é mais um assunto unilateral, é um bem e um vetor de desenvolvimento, contudo deve ser tratado pelos promotores deste desenvolvimento com o devido cuidado e a competência para permitir sustentabilidade ambiental dos recursos hídricos. As águas transfronteiriças devem ser abordadas com uma nova visão, necessitando que os governos dos países tenham tolerância, cautela, e que acima de tudo criem um ambiente propicio de confiança entre os estados e a sociedade, com respeito e compreensão em relação às diferenças sociais, econômicas e ambientais dos diferentes países que compõem os sistemas hidrográficos. No caso da América do Sul é preponderante que o governo brasileiro crie um processo de gestão destas águas transfronteiriças, em função também da extensão das fronteiras e de compartilhar águas com a maioria dos países e por conta com uma consistente politica de recursos hídricos e sistema de gerenciamento. O Conselho Nacional de Recursos Hídricos – CNRH conta com uma Câmara Técnica Específica para o tema das águas transfronteiriças, o que demonstra uma boa iniciativa e está tentando construir uma proposta de diretrizes para a gestão das águas transfronteiriças. Contudo, precisamos ir um pouco além. A União Europeia deu um bom exemplo com a adoção da Diretiva Quadro da Água estabelecido pelo Parlamento Europeu em 2000. Esta grande iniciativa responsabiliza os países com metas para a gestão das unidades hidrográficas em seu território e que possui implicações com os demais países.

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²Mapa com as bacias hidrográficas com águas transfronteiriças

Este caso da Diretiva Quadro poderia ser discutido e adaptado tanto para a Bacia Amazônica como para a Do Prata, pois já temos bons estudos e acordos entre os países e projetos técnicos em andamento que poderiam subsidiar o estabelecimento de diretrizes comuns entre os países que compõem as respectivas bacias hidrográficas. Um bom momento também para ser aplicado o conceito da hidropolítica e da Diretiva Quadro pode ser por ocasião da implementação da Comissão Conjunta estabelecida pelo Acordo sobre o Aquífero Guarani firmado em 2010 entre a Argentina, Bolívia, Brasil e Paraguai.

Por outro lado, a gestão das águas transfronteiriças no seu conjunto apresentam grandes desafios. Das 263 bacias hidrográficas com águas transfronteiriças, 158 não contam com nenhum de tipo de estrutura institucional de gestão. O desafio da gestão também é incitante quando se verifica que de 106 bacias com águas transfronteiriças, algo em torno de 2/3 possuem pelo menos três estados que as compartilham, contudo somente 20% dos acordos são multilaterais. De certa forma, estes dados evidenciam que boa parte dos acordos fica a desejar, ou como dizem, “ficam no papel” e não contam com a efetiva implementação, em função da falta de capacidade e interesse em implementá-los ou até mesmo porque foram efetivados sem a efetiva participação pública.

Ao mesmo tempo, as oportunidades para a cooperação pelas águas transfronteiriças são grandes. As redes mundiais e regionais e organismos de bacias podem conjugar esforços e parcerias e colaborar no estabelecimento de cooperação. São os casos da Rede Internacional de Organismos de Bacias – RIOB a da Rede Latino-americana de Organismos de Bacias –RELOB e o Conselho Mundial da Águas que promove o Fórum Mundial da Água a cada três anos, já na sua VI edição. As organizações especializadas sobre o tema água, como a IUCN, ao GWP a WWF,o SIWI, a TNC entre outras confirmam a existência de boas plataformas para apoiar a construção de diretrizes para a gestão das águas transfronteiriças. O ano de 2013 é um bom ano para aprofundar este tema, por se tratar do Ano da Cooperação Internacional pela Água.

¹ Fonte: Avaliação geoambiental do território brasileiro nas bacias hidrográficas transfronteiriças / elaboração  do mapa: Valdir Adilson Steinke (em www.rbgdr.net/012010/artigo9.pdf em 23/02/2013)
² Fonte: International river basins as delineated by the Transboundary Freshwater Dispute Database project, Oregon State University, 2000. Data source: International River Basins, Wolf et al. (1999), updated 2001.

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Mauri Cesar Barbosa Pereira
mauri.pereira@terra.com.br

Engenheiro Florestal MsC. Especialista em gestão dos recursos hídricos. Foi Secretario Executivo da REBOB e colaborador da RELOB.

 

 


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